Ninguém é de fato a mesma coisa o tempo todo. Como dizia Raul
Seixas: "somos uma metamorfose ambulante". Capaz de mudar com o
tempo, com as perdas, com as inúmeras decepções, com a experiência e com a
maturidade.
Ninguém consegue ser 100% ateu. Ninguém consegue ser um crente
convicto o tempo todo. Assim como ninguém consegue viver na dúvida constante (o
cético) a vida inteira. Como ninguém consegue viver em cima do muro feito um
agnóstico eternamente.
Você que se declara descrente, pode até o ser a maioria das
vezes. Nunca o tempo inteiro. Como você que se declara cheio de fé. Só usa a fé
a maioria do tempo. Nunca o tempo inteiro. Pois de vez em quando sua descrença
inveja até o mais incrédulo dos homens.
A natureza humana é por demais frágil, fugaz, incoerente, débil,
inconsequente, mesquinha e muitas vezes vil; para que um homem experiente como
eu, acredite que exista seres humanos o tempo todo coerente em relação às suas
crenças, ideologias, convicções e personalidade.
É impossível que ateus famosos e propagadores dessa ideologia,
como Karl Marx, Sartre, Nietzsche e até o príncipe moderno do ateísmo e seu
principal divulgador nos dias atuais, Richard Dawkins, seja um incrédulo
convicto o tempo todo. Inúmeros acidentes, incidentes, decepções, apertos,
doenças e a própria contemplação majestosa de uma natureza exuberante, faz
qualquer um pensar na existência de um Poder Superior e questionar a sua
incredulidade.
Até o nascer do sol, o nascimento de uma criança e o céu
estrelado numa noite escura faz-nos refletir sobre questões metafísicas e se
perguntar: quem foi capaz de gerar essa vida, quem criou esse sol majestoso,
esse cosmo infindo e essas estrelas magníficas. É impossível qualquer pessoa
por mais incrédula que seja, não duvidar de sua descrença em momentos como os
descritos acima e em muitos outros.
Da mesma forma que os papas, os santos, os antigos profetas, os
pregadores eloquentes e as irmãs pentecostais do círculo de oração não são
crentes convictos o tempo todo. A bíblia, a história e a mediocridade e
fraquezas humanas atestam essa verdade indubitável. Não existem super heróis da
fé. Existem pessoas falhas, doentes, problemáticas e esperançosas que tentam em
meio às dores e circunstâncias adversas da vida manterem sua fé. Mas a fé,
assim como a descrença numa deidade é impossível mantê-la o tempo todo. Só os
hipócritas metidos a super crentes passam a ideia de possuírem uma fé
inabalável por todo tempo.
A murmuração, blasfêmia e reclamações infindas a Deus em
momentos de dor, doença, da morte de um ente querido, da própria comiseração
(ter dó de si mesmo) atestam que ninguém possui uma fé inabalável.
Lembrando que o famoso profeta Elias, que desafiou o rei Acabe,
os 450 profetas de Baal, e fez segundo o Livro de Reis fogo cair do céu, além
de fazer a terra por meio de sua profecia ficar 3 anos e seis meses sem chover,
foi ele mesmo que se escondeu deprimido numa caverna e experimentou uma crise
profunda, a falta de fé e de perspectivas.
Assim como o rei Davi, o homem "segundo o coração de
Deus" cometeu pecados terríveis como um adultério e ainda tramou a morte
do marido de sua amante.
O medo, a dor, a traição, o desamor, o tempo, preces não ouvidas
ou não atendidas são capazes de fazerem supostos heróis e heroínas da fé, se
tornarem os maiores murmuradores e blasfemos da história.
A vida vez por outra em sua contingência, surpresas e momentos
de dor e amargura profunda arma ciladas para os ditos ateus racionais e cheios
de si, para os chamados crentes e "homens de Deus", para os céticos
em sua arrogância em contestar toda e qualquer "verdade" e arranca os
agnóstico de cima de seus murros e pedestais da indecisão.
Nenhuma incredulidade é eterna. Eterno é o discurso mentiroso,
ilusório e descabido de que uma criatura pequena, frágil e controversa como
somos nós seres humanos, ficaremos firmes em nossa descrença e inafetáveis por
toda a nossa vida.
Toda fé é abalável. Não existe fé inabalável como uma rocha. Pois
uma criatura que se perturbar tão facilmente como nós humanos e que vive em
crises afetivas, familiares, psíquica e convive com a dor da perda e a
degradação de seu próprio corpo pelo tempo e pelas experiências nefastas da
vida, não pode ter uma fé firme e triunfante a vida inteira. Vez por outra sua
fé se tornará menor que um grão de mostarda e você se sentirá menos importante
que uma poeira cósmica.
Vamos parar de autoengano. Vamos deixar de mentir a si mesmo e
ao próximo. Quem tem um pouco de experiência de vida e se conhece sabe que as nossas
convicções são meras palavras levadas pelo vento e um grande teatro para
impressionar a plateia de leigos da condição humana.
A realidade do que somos deve retirar de nós a máscara do
autoengano e da vontade de querer dá uma de Superman.
No fundo, lá no fundo: filósofos, cientistas, profetas, papas, pastores, artistas e grandes esportistas são só humanos. E ser humano é ser gente fraca, complicada, doente, incoerente, cheia de traumas e perdas irreparáveis na vida. Ninguém é super herói, só gente digna de compaixão e cheia de si e de falsas convicções!
Obs.: Esse texto tem o objetivo de mostrar a real condição humana. Suas fragilidades, frustações, suas dicotomias e finitude. Foi escrito em 11/04/2019, inspirado na história de uma pregadora evangélica que num momento de enfrentamento de problemas e crises normais da vida questionou a Deus e murmurou contra Ele. Ao ouvir essa história da mãe dessa pregadora, eu me inspirei para escrever esse excerto.
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