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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Afinal, o Brasil é um Estado laico?


O Brasil é sim um Estado laico, pelo menos no papel.  E não estamos falando de nenhuma novidade, até porque a laicidade do Estado brasileiro é garantida desde a publicação do Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890. Ou seja, da proclamação da República, estabeleceu-se a SEPARAÇÃO institucional entre ESTADO e INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS. E essa condição foi reafirmada expressamente pelo artigo 19, inciso I, da atual Constituição Federal (1988), segundo a qual é vedado a todas as entidades da federação “estabelecer cultos religiosos ou subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relação de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Mas afinal, o que é laico? Do latim (Laicu), significa “leigo”; e do grego (Laikus), “aquele que não é crente ou religioso”. Portanto, o Brasil NÃO pode adotar uma religião oficial, mantendo-se neutro e indiferente em relação à fé professada por seu povo, inclusive garantindo aos cidadãos brasileiros o direito de não acreditar em Deus.
No entanto se a laicidade é norma vigente no papel, na prática o que se vê é no mínimo contraditório. A começar pela frase: “sob a proteção de Deus”, no preâmbulo da Carta Magna, a Lei maior do País. O preâmbulo é o enunciado que antecede o texto Constitucional, e embora não tenha caráter normativo (força de lei), na opinião do renomado jurista Luiz Pinto Ferreira, “reflete ordinariamente o posicionamento ideológico e doutrinário do poder constituinte”.
Não menos estranho, é a inscrição “Deus seja louvado” nas cédulas de Real. A expressão foi inserida pelo Banco Central nas notas de Cruzeiro, na década de 1980, por determinação do então presidente da República José Sarney (1985-1990), e é uma clara alusão ao “In God we trust”, dos americanos, outra república laica que coloca Deus no dinheiro.
É comum depara-se com cruzes, crucifixos, divindades e Bíblias em órgãos públicos, assembleias legislativas, câmaras municipais, fóruns, tribunais - a exemplo do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) - a mais alta instância do Poder Judiciário no Brasil, que exibe em seu plenário um crucifixo um pouco acima do Brasão da República. É preocupante perceber que o próprio Estado brasileiro desrespeita o laicismo e a Constituição.
O crucifixo não é um simples adorno ou enfeite. Ele está carregado de simbolismos e dogmas que representam, principalmente, a Igreja Católica Apostólica Romana. Por que um símbolo católico está em destaque no STF? Aceitamos com naturalidade um crucifixo no plenário da mais alta corte do País, mas será que cederíamos às reivindicações de evangélicos, espíritas, budistas e tantas outras minorias, e aceitaríamos imagens de Jesus Cristo, Chico Xavier, Buda ou Iemanjá no plenário do STF?
Embora tenha completado 122 anos, a separação entre instituições religiosas e Estado ainda não foi suficientemente consolidada. Um exemplo é o nosso calendário civil. Por que um Estado laico mantém tantos feriados nacionais em homenagens a santos católicos? Provavelmente porque nossos legisladores desconhecem ou simplesmente desrespeitam o que rege a Constituição.
É constitucional um Estado laico gastar uma fortuna com a visita de um Papa ou eternizá-lo em monumentos públicos?  Sim, e não! Na condição de Chefe de Estado o Papa deve ser recebido com todo o aparato diplomático. Mas eternizá-lo em monumentos públicos, com dinheiro público, é com certeza uma afronta ao Estado Laico.
Os campo-grandenses vivenciaram essa experiência em 16 de outubro de 1991, quando João Paulo II visitou a nossa Capital. Foi uma festa! Ele permaneceu apenas 23 horas em Campo Grande, mas sua passagem foi eternizada pelo Poder Público Municipal, que em 17 de maio de 2007 construiu uma praça no exato local onde foi celebrada a missa campal pelo Sumo Sacerdote, sendo batizada de Praça do Papa ou Memorial do Papa. Em 2003, para a surpresa de todos, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul concedeu a Karol Wojtyla, (o Papa João Paulo II), o título de cidadão Sul Mato-Grossense.
Engana-se quem pensa que essa relação de proximidade entre Igreja e Estado é coisa distante. Em 2008, a Santa Sé, que é a direção mundial da Igreja Católica conseguiu do Brasil uma concordata, com o intuito de garantir a volta da disciplina de ensino religioso nas escolas públicas do ensino fundamental. O Tratado Brasil-Vaticano, assinado pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Papa Bento XVI foi parar no Congresso Nacional.
No dia 26 de maio de 2009, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio de uma carta aberta alertou os deputados federais: “Na hipótese de o Congresso Nacional aprovar a concordata, ele estará determinando a inflexão do caráter do Estado brasileiro de laico, desde a proclamação da República, para concordatário. Um retrocesso em total dissintonia com a democracia que a tão duras penas construímos no Brasil”.
Dados do Censo realizado pelo IBGE em 2010 revelaram que 87% dos brasileiros declararam-se cristãos. Por isso garantir a laicidade do Estado não é tão simples quanto parece, uma vez que muitos cidadãos acreditam não haver mal algum em manter símbolos religiosos nas repartições públicas, e que devemos perpetuar essa prática, sem ao menos refletir sobre ela, simplesmente porque faz parte da nossa cultura e da nossa história. Então é bom lembrar que a escravidão de negros, a violência sexual e psicológica contra as mulheres, o abuso do Estado contra cidadãos civis lamentavelmente também faz parte da nossa história. Deveríamos perpetuá-los também?
Percebemos que as discussões sobre a laicidade do Estado brasileiro não foram encerradas com a proclamação da República, nem mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Garantir a laicidade do Estado Brasileiro é caminhar rumo ao futuro com a certeza de avanços importantes no que se refere ao Estado democrático de direito, especialmente o respeito ao direito das minorias. E qualquer ação na contramão disso seria um retrocesso aos tempos do Império.
Nesse sentido a decisão da Presidente Dilma Rousseff de retirar a Bíblia e o crucifixo do gabinete da Presidência da República vai ao encontro do que DETERMINA a Constituição Federal.
Outra ação no sentido de garantir a laicidade do Estado foi do Ministério Público Federal do estado de São Paulo, que em dezembro do ano passado, notificou o Banco Central para que explique o motivo de as cédulas de Real conter a expressão “Deus seja louvado”. De acordo com o procurador substituto Antonio Vieira, autor da solicitação, a frase é incompatível com a condição do Estado laico.
E recentemente, mais uma ação em respeito ao Estado laico veio dos pampas gaúchos. O Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu, no dia 06 de março do corrente ano, retirar crucifixos e símbolos religiosos de todas as salas do Judiciário do Estado.
Sabemos que a maior parte da população brasileira acredita no Deus uno, onipresente e onisciente, ou seja, o Deus Bíblico. O mesmo Deus que esta no nosso dinheiro e que caminha lado a lado com a política. Tanto assim que existe uma Bancada Evangélica no Congresso Nacional. E não raro assistimos pela televisão, legisladores fazendo o uso da tribuna do Congresso para ler a Bíblia, situação que se repete com frequência nas assembleias dos Estados e nas câmaras de vereadores.
Diante de tudo isso, perguntas ficam sem respostas: Algum dia, consolidaremos de fato o Estado laico? Nossos representantes conseguirão abster-se de suas paixões, crenças e convicções em respeito à laicidade? Qual dos códigos nossos legisladores obedecerão: a Bíblia ou a Constituição Federal? Cessarão sobre o Estado as pressões de grupos e entidades religiosas na discussão de temas importantes como: aborto, reconhecimento civil das relações homoafetivas, pesquisas com células tronco e questões em que comumente se confunde punição com pecado?
É preciso entender que o Brasil não é católico, nem evangélico, nem espirita, nem umbandista, nem candomblecista, nem budista, nem ateu. Só os brasileiros podem professar uma fé, e com a proteção constitucional do Estado que lhes garante o direito de liberdade religiosa. Mas que fique bem claro, um Estado laico é um Estado neutro, que não deve sofrer influencias e muito menos curvar-se aos interesses de entidades religiosas!