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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Entrevista com Ricardo Gondim "O movimento evangélico está chegando ao fim."

Entrevista – Pastor Ricardo Gondim

Por Carlos Fernandes

“O movimento evangélico está chegando ao fim”

Ricardo Gondim, um dos maiores pensadores cristãos do país, analisa a Igreja contemporânea e antecipa uma guinada na espiritualidade.
O século 20 assistiu ao alvorecer, à consolidação, ao apogeu e ao desgaste do movimento evangélico, um ciclo histórico que está prestes a se encerrar. O que virá depois é uma incógnita – contudo, é possível vislumbrar que, passada a crise de pragmatismo que assola a Igreja deste início do terceiro milênio, a espiritualidade será experimentada de maneira mais viva e relacional com Deus. A avaliação é do pastor Ricardo Gondim Rodrigues, um dos mais respeitados pensadores evangélicos do país. Para ele, a derrocada do evangelicalismo não é fruto apenas do natural desgaste de 100 anos, mas principalmente de posturas e práticas que o afastaram da genuína fé bíblica. “Estamos pregando um Evangelho de resultados, onde o que interessa menos é o próprio significado da conversão”, avalia.

Pastor, escritor e conferencista, Gondim, aos 50 anos de idade, carrega uma bagagem teológica forjada por muitas experiências de vida e de ministério. Filho de um preso político da ditadura militar, ele, desde cedo, se interessou em entender o mundo à sua volta. A ponto de ter se convertido ao Evangelho sozinho, lendo uma Bíblia presenteada por um colega de escola em Fortaleza (CE), sua cidade natal. Foi lá que ele começou sua trajetória de fé, primeiro na Igreja Presbiteriana – de onde foi expulso ao contar que recebera o batismo com o Espírito Santo –, e depois na Assembléia de Deus, na qual iniciou seu ministério de pregador. Mas acabou decepcionado com o excessivo legalismo que, àquela altura, dominava não só a Assembléia de Deus, como muitas outras denominações.

Rebeldia? Não, inconformismo. “Eu estava em busca de uma fé mais livre de jugos humanos”, lembra. Acabou encontrando. Depois de passar muitos anos estudando e trabalhando nos Estados Unidos, Gondim assumiu o pastorado da Missão Betesda, lá mesmo em Fortaleza, em 1982. Aquele trabalho, com um perfil alternativo às grandes denominações, acabou dando origem à Assembléia de Deus Betesda, igreja que hoje tem sede em São Paulo e mais de 18 mil membros. Ao lado da mulher, a também pastora, Sílvia Gerusa, com quem tem três filhos, Gondim capitaneia um bem-sucedido ministério que tem sido referência em todo o Brasil e até no exterior. Ele não faz muitas concessões a modelos eclesiásticos e institucionalizações: “Nossa ênfase tem de ser bíblica. Apenas tratar dos conteúdos do Evangelho”, resume.

Como sugere o título de um de seus livros, Artesãos de uma nova história, Ricardo Gondim acredita que a fé evangélica começa a trilhar, hoje, um outro caminho – “O pragmatismo da fé de resultados vai dar lugar a uma fé mais afetiva, mais íntima com Deus”. Mas não será um tempo de valorização do bem-estar e do narcisismo espiritual, como vemos hoje. “Ao contrário”, acredita, “estando mais próximos do coração do Senhor, estaremos também mais atentos ao seu clamor pela humanidade que sofre”. O pastor Gondim atendeu a reportagem de ECLÉSIA durante o 5º Congresso de Reflexão e Espiritualidade, em Águas de Lindóia (SP), evento promovido pela Doxa, um dos braços da Igreja Betesda. Ali, falou-se muito sobre a Igreja contemporânea. A análise não é das mais animadoras. “A conversão, experiência básica da vida cristã, está muito difusa. Quase não se fala mais em ‘nascer de novo’”, avalia Gondim. Confira a íntegra da entrevista:

ECLÉSIA – Na sua opinião, qual é a situação da Igreja Evangélica brasileira, hoje?

RICARDO GONDIM – É engraçado porque, mesmo com a Igreja brasileira atravessando uma tremenda crise de conteúdos, a gente vive um momento de ufanismo evangélico. A Igreja Evangélica brasileira tem uma grande dificuldade de examinar a si mesma, porque está muito entusiasmada com seu próprio crescimento. Mas é fácil constatar que o Evangelho tem sido pregado e vivido de uma maneira extremamente pragmática, utilitária. Que Evangelho estamos pregando? É um Evangelho de resultados, onde o que interessa menos é o próprio significado da conversão. Isso é muito grave. O significado da expressão “nascer de novo” está muito difuso dentro das nossas igrejas. O que é nascer de novo? Esta experiência basilar foi diminuída a um simples rito comportamental de levantar a mão, vir à frente, seguir cinco ou seis “leis espirituais” – confesse isso, declare aquilo, aja deste modo. Ou seja, virou um credo. E um credo ralo. O conceito de nascer de novo está muito fragilizado, além de se falar pouco nele. E quando se fala, não sabemos nem a que estamos nos referindo. O movimento evangélico, tal como hoje o conhecemos, está próximo do seu fim.
Como assim?

Os sinais desse esgotamento são claros. Um deles é a fragilidade teológica e doutrinária dos adeptos do movimento evangelical nas bases. Se você perguntar a um membro de igreja evangélica, hoje, por que é evangélico, ele vai responder com um chavão ou relatando uma experiência mística, metafísica, sem qualquer conteúdo básico, exegético, hermenêutico. E essa experiência mística caberia muito bem em qualquer outra vivência religiosa, do budismo ao espiritismo. Esse esvaziamento teológico nas bases demonstra que a longevidade do movimento evangélico está comprometida.
O que o senhor chama de “movimento evangelical”?

O evangelicalismo existe desde o nascimento do chamado fundamentalismo, que é um movimento que aconteceu primordialmente nos Estados Unidos, no fim do século 19. Ele foi uma reação ao liberalismo teológico então em voga, fruto da alta crítica alemã, que estava influenciando tremendamente o cristianismo ocidental. As igrejas resolveram reagir a isso com a reafirmação dos postulados básicos da fé cristã, aqueles postulados inegociáveis – o nascimento virginal de Jesus, a inerrância das Escrituras, a ressurreição corpórea de Cristo e a sua volta. Era uma reação de forte cunho fundamentalista e escatológico.
Esse também foi o embrião do pentecostalismo, não?

Exatamente. O pentecostalismo é filho do movimento fundamentalista, que teve como um de seus expoentes o pastor americano Billy Graham. Esse movimento chega ao seu apogeu no Pacto de Lausanne [N. da redação: este pacto foi firmado na Conferência Internacional de Lausanne, na Suíça, em 1974, reunindo líderes evangélicos de todo o mundo]. Ali, ele chegou à sua força maior, um período que corresponde também à explosão numérica do movimento pentecostal. O pentecostalismo, até então visto com reservas, foi inclusive, admitido como parceiro do evangelicalismo. Lausanne foi fundamental para o diálogo entre os diversos acampamentos que estão debaixo dessa enorme tenda chamada evangelicalismo.

Qual é o legado do evangelicalismo?

Eu não diminuo nem subestimo o movimento evangelical. Ele foi uma expressão espiritual linda, que democratizou o acesso a Deus. Sem dúvida, trata-se do maior fenômeno religioso do século 20 e firmou os paradigmas com os quais nós temos convivido nestes últimos 100 anos. Mas, como outros movimentos espirituais, ele perdeu o fôlego. Isso é próprio do processo histórico. Mas ele está acabando, com certeza. O movimento evangélico, tal como o conhecemos, está completando o seu ciclo de existência. Esse esvaziamento se deu pela própria força pragmática do movimento.

O que virá depois?

Nós não temos ainda uma resposta clara para o que vai acontecer. Talvez essa resposta não seja de competência da nossa geração. Mas já há o alvorecer de alguma coisa nova, um movimento de refluxo deste Evangelho pragmático que temos vivido, que busca resultados e dividendos. E essa coisa nova aponta no caminho de uma espiritualidade mais viva, de um relacionamento mais íntimo com Deus. Uma abordagem mais humana das Escrituras – valores espirituais como ternura e afeto em relação ao Senhor, uma noção mais singela da paternidade divina. Alguns pensadores estão nessa direção. Gente como Osmar Ludovico, Valdir Steuernagel, Ricardo Barbosa de Sousa, que enfatizam a necessidade da retomada de uma espiritualidade do coração, um cristianismo de mais afeto com Deus. Deixar de lado a técnica, o “como fazer”, e entrar mais num relacionamento com Deus sem visar desdobramentos práticos. Há um clamor no nosso país por uma espiritualidade que nos traga de volta uma relacionalidade maior com o Senhor.

Mas, esse Evangelho de busca por intimidade com Deus não pode levar a uma espécie de narcisismo espiritual? Hoje, boa parte dos livros, das pregações e até das músicas evangélicas priorizam a satisfação pessoal...
Diria que não. Isso pode perfeitamente ser conciliado com o Evangelho “do outro”, ou seja, dos relacionamentos horizontais. Quanto mais nos aproximarmos do coração de Deus, mais nós sentiremos o que ele sente, mais empáticos nos tornaremos. E maior será o amor que teremos para com o próximo. Nós nos tornaremos identificados com o pulsar do coração de Deus para com a humanidade sofrida. A evangelização deixará de ser uma agenda institucional e passará a ser uma identidade do nosso coração com o coração de Deus.

Na última década, observamos o fenômeno da institucionalização das igrejas, levando princípios corporativos para os ministérios cristãos. O que o senhor pensa dos modelos de gestão eclesiástica e das estratégias para o crescimento das igrejas?

Olha, eu vejo com algum receio essa multiplicação de modelos eclesiais, importados, na maioria das vezes, dos Estados Unidos. Não acredito que a resposta para a Igreja seja gerencial. A nossa capacidade de gerenciar programas, de estabelecer o que seja uma boa visão, uma boa missão, não é uma panacéia para os males da Igreja contemporânea. Eu ainda acredito que é o Senhor que vai nos dar o crescimento, acrescentando o número daqueles que vão sendo salvos. Eu vejo que muitos pastores se escondem atrás de um pacote, achando que é o grande truque que vai resolver o problema de relevância de suas igrejas e ministérios. Eu, às vezes, tenho medo de a gente embarcar em pacotes que são apresentados como modelo de sucesso, quando, muitas vezes, é aquela igreja que está lá na favela, lá na cidadezinha pobre, sem sinais de prosperidade e sucesso, que está cumprindo os desígnios de Deus. O problema é que estamos muito proselitistas e pouco evangelizadores. Haja vista a ênfase nos nossos programas de mídia. É muito mais propaganda das instituições do que o ensino dos conteúdos do Evangelho. Usa-se a mídia para fazer propaganda institucional, ou para enaltecer os dirigentes de igrejas. Isso é uma decadência.

O senhor é um líder evangélico respeitado nacionalmente. Como faz para evitar a institucionalização de seu ministério?

Nós, na Betesda, temos um zelo muito cuidadoso em ser uma igreja da Palavra de Deus, que se concentra em colocar a sua ênfase na Bíblia, na exposição clara das Escrituras como elas são. E a nossa igreja tem crescido, sim, até mais do que se espera de uma igreja com esta postura – mas nós não fazemos da busca por este crescimento a prioridade de nossas ações. Crescer por crescer não é a nossa proposta. Então, as pessoas que temos atraído para o Evangelho vêm exatamente em busca disso, deste conteúdo bíblico, uma coisa que fuja do Evangelho de resultados que temos visto por aí. Alguém já disse que se você montar uma igreja tocando rock, terá de tocar rock ali a vida inteira, senão as pessoas que foram atraídas por isso vão embora. Se você montar uma igreja expulsando demônios, vai ter de continuar expulsando demônios sempre, porque senão, no dia em que parar de fazer isso, as pessoas vão embora. Então, se você monta uma igreja pregando a Palavra de Deus, terá de continuar fazendo isso sempre – se parar de pregar, as pessoas vão embora, porque a pregação bíblica é o seu carro-chefe. Dentre estas muitas opções, a minha é a Palavra de Deus. Eu acredito que os conteúdos do Evangelho precisam ser explicitados.

Existe uma terceira via, uma solução para os problemas advindos do próprio crescimento das igrejas, como a perda da dimensão comunitária?

Existe, e é a dos grupos relacionais. Este é um caminho sem retorno que a Igreja terá de trilhar, se quiser preservar sua identidade cristã. É o caminho das casas, das células familiares, da koinonia, onde o relacionamento se dá olho no olho. Os pequenos grupos são uma alternativa saudável aos efeitos desagregadores do crescimento. Eles são a solução para o cristianismo ocidental.

Já que um dos motivos de seu rompimento com a Assembléia de Deus foi sua crítica ao legalismo, como o senhor vê esta questão no segmento evangélico hoje? Houve uma evolução?

Em algumas áreas, sim. Nessa área de usos e costumes, o avanço foi perceptível, e não só numa ou outra denominação. Houve uma revolução também na questão do legalismo litúrgico – nossos cultos hoje são muito mais leves, espontâneos, menos estereotipados. Antigamente, um culto presbiteriano, por exemplo, era exatamente igual em igrejas de norte a sul do país. Hoje, há uma liberdade muito maior nesse sentido. Por outro lado, existem atitudes legalistas que transcendem essa coisa de roupa, de práticas. O legalismo não se manifesta apenas na rigidez de costumes – ele está presente, também, quando abandonamos os critérios da fé e acreditamos que as nossas obras, de alguma maneira, nos dão cacife diante de Deus. Hoje, existe um legalismo tão pernicioso quanto aquele de outrora, que regulava tamanho de roupa ou corte de cabelo. É o legalismo que coloca na corrente de oração semanal, ou na oferta, uma responsabilidade de aplacar Deus com nossos sacrifícios. Vamos agradar ao Senhor desta maneira, com tal prática, ou dando mais dinheiro – quem sabe, vamos ganhar o favor de Deus se pudermos louvá-lo com o melhor louvor que a gente puder fazer.

A liberalidade quanto a usos, costumes e procedimentos não tornou os crentes mais “mundanos”?

Não, não, não. O que nos faz parecer com o mundo não é o jeito como a gente se veste, ou a maneira como a gente fala, ou que tipo de lugares que freqüentamos. Estamos, sim, mais mundanos, mas não porque a gente deixou de ser legalista. O que faz a gente ser parecido com o mundo são os conteúdos do nosso caráter, as opções que fazemos – se dizemos “sim” ou “não” a determinadas oportunidades que surgem. Os critérios éticos da Igreja é que estão parecidos demais com os do mundo. Nós, hoje, temos uma Igreja pragmática, onde o “dar certo” é mais importante do que o “estar certo”. Hoje, o parâmetro da bênção de Deus é a prosperidade. Então, se você está ganhando dinheiro, se a sua empresa vai indo bem, então é sinal de que a bênção de Deus está sobre você.
Que tipo de gente está sendo produzida pela teologia da prosperidade?

Ela está produzindo uma enorme quantidade de pessoas decepcionadas com a Igreja, com Deus. Isso funciona com a mesma lógica do jogo de azar – milhões apostam, mas apenas um grupo mínimo acerta.

Se é assim, por que tanta gente continua acreditando nessa teologia?

Mas é esse mínimo de felizardos que dá plausibilidade ao sistema. Eu vou para um culto com cinco mil pessoas. Aí, digo assim: “Aqui há cem pessoas que vão ofertar mil reais, porque um anjo me disse que, nesta semana, elas serão abençoadas”. Ora, num grupo de cinco mil, pela própria lógica, eu tenho três ou quatro pessoas que, de fato, vão conseguir algum tipo de sucesso de qualquer jeito – e isso, independente de ter ido ao culto ou não. É uma questão de estatística. Mas, esses três ou quatro, amanhã, vão dar testemunho e dizer no programa de TV que a vida deles mudou porque foram ao culto e participaram da oração forte etc e tal. Ora, quando eu pedir, semana que vem, mais R$ 1 mil para cem pessoas, será mais fácil ainda – afinal, vou ter resultados para mostrar. E mesmo para aqueles que deram e não receberam bênção nenhuma, há explicação: eles deram alguma brecha ao inimigo, ou não tiveram fé. Ou, então, não deram de bom grado, e, afinal de contas, Deus ama ao que dá com alegria. Ainda dá para transferir a culpa...
Mas vamos chegar a um ponto em que as pessoas vão perceber que nada lhes acontece e acabar desistindo dessas apostas com Deus, não?

E você acha que, um dia, as loterias vão acabar? Amanhã mesmo uma mega-sena dessas vai sortear 35 milhões de reais. O apostador não leva em conta que apenas uma única pessoa, ou algumas poucas, serão premiadas. Se um ganha, faz-se aquele alarde – então, o sujeito pensa “puxa vida, é a minha chance”. Por isso é que, quando as pessoas vão jogar na loteria, usam até uma terminologia religiosa. Elas dizem que vão fazer uma “fezinha”. A multidão vai na ilusão. Quando o pastor investe na mídia e leva lá pessoas que dão esses testemunhos, a ilusão é retroalimentada.

A Igreja Evangélica no Brasil foi anunciada, de maneira ufanista, como o celeiro missionário do século 21. Hoje, como ela é vista no exterior?
Eu acho que aquele furor missionário de 20, 30 anos atrás, acabou nos levando a uma situação perigosa. Houve uma febre missionária tão grande, que muita gente foi lançada ao campo sem o devido preparo missiológico. E isso trouxe problemas para o missionário, para a igreja que o enviou e, mais ainda, no campo. Eu lamento dizer que o testemunho de diversos missionários e pastores que foram do Brasil para o exterior é muito feio em países como Portugal. Hoje, a Igreja Evangélica portuguesa tornou-se refratária à presença missionária brasileira.

Por quê?

Por causa do transporte do legalismo evangélico brasileiro para a cultura de lá. Isso não existe. E, segundo, por causa desses modismos que aqui no Brasil são tolerados, mas que, na cultura européia, são vistos de maneira muito suspeita – esses shows de fé, essas demonstrações grandiloqüentes de suposto poder divino. E isso não é tudo. Estive na Índia recentemente e ouvi muitas queixas contra os crentes brasileiros. Há pastores daqui que vão para lá, fotografam grandes eventos promovidos pela Igreja indiana e voltam para cá dizendo que tudo foi promovido por eles. E ainda criam uma paranóia de perseguição que na verdade não existe. A Índia é um país democrático, pluralista. Eles criam dificuldades para vender facilidades aqui.

A matriz teológica adotada aqui é americana. A crise de conteúdos que afeta a Igreja brasileira tem paralelo com a dos Estados Unidos?

Não diria paralelo, porque a crise lá é de outra natureza. A Igreja Evangélica dos Estados Unidos está excessivamente ideologizada. Desde o advento da eleição do presidente George W.Bush, há quatro anos, a ideologia da direita republicana cooptou a Igreja Evangélica para o seu lado. Isso se tornou mais agudo ainda depois do 11 de Setembro. Houve um recrudescimento do ensimesmamento da Igreja. E os crentes têm lá um problema muito sério de etnocentrismo – eles dialogam muito pouco com outros setores da sociedade. A Igreja americana acredita no messianismo do presidente Bush. Hoje, existe um patrulhamento ideológico tão grande que, se um crente disser que não vota em George Bush, ele é execrado como um herege. A coisa é neste nível. [N. da redação: esta entrevista foi concedida antes da eleição presidencial nos EUA].
Por que a Igreja americana alinhou-se ao governo Bush?
A direita republicana nos EUA identificou que a Igreja Evangélica tem três grandes plataformas, três bandeiras conservadoras que ela faz questão de empunhar: oração nas escolas, batalha contra o aborto e, a mais recente, a luta contra o avanço do homossexualismo. Então, o Partido Republicano, muito espertamente, capitalizou o discurso de Bush em cima dessas coisas – e isso encanta, alucina o crente americano: ter um presidente que defende essas três bandeiras. Infelizmente, a Igreja lá tem deixado de lado outras bandeiras que deveria empunhar, como a defesa da justiça, dos direitos humanos ou a preservação do meio ambiente. O que nos inquieta é ver que os cristãos americanos não estão cobrando isso do presidente Bush. Não estão cobrando que ele assine o Protocolo de Quioto, um instrumento de defesa ambiental mundial que o atual governo ignorou. Não estão cobrando a mesma postura adotada no Iraque em relação, por exemplo, ao Haiti, que é um país a 300 quilômetros da Flórida e que está literalmente se esvaindo. Se o objetivo da operação no Iraque foi mesmo de depor um tirano e estabelecer uma democracia, levando ajuda humanitária, por que não faz isso também no Haiti? A falta de critérios é total. Não entendo como a Igreja se alia a um partido que defende o uso de armas, que é simpático à escalada armamentista dentro da própria população.

Há pouco tempo, seu artigo Estou cansado, publicado na revista Ultimato, causou grande repercussão no segmento evangélico. O senhor está cansado da Igreja?

Não, não! Eu não estou cansado da Igreja – pelo contrário, estou entusiasmado e esperançoso de que um novo tempo vai surgir para a Igreja Evangélica no Brasil. É óbvio que, no meio de uma situação de crise como a atual, a gente acaba ficando meio chateado e entristecido. Eu fiquei impressionado com a repercussão daquele artigo. Recebi milhares de mensagens. Há um clamor de crentes, pastores e líderes dizendo “chega!”

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Qual a diferença entre Jesus e o Deus que Mata? Resposta de Caio Fábio

Reverendo Caio,
Mandei-lhe esse e-mail abaixo.
Minha dúvida é sincera.
Sempre me pego pensando a respeito e sobre o que responder, caso me perguntem sobre isso.
Seria muito importante para mim sua opinião.
Abraços no amor de Cristo,
Silvio
**** e-mail anterior ****
Amado Rev. Caio Fábio,
Em dos textos do site "O Diabo adora falar em Deus", você fala de forma contundente como em nome de Deus toda barbaridade já foi feita, e tudo mais.
Quando você afirma algo, talvez, polêmico, sempre chama para si a responsabilidade. Realmente, tem assuntos que, a princípio, nos assustam.
Referente a esse texto e assunto, fico sempre com dúvidas que me incomodam: o que dizer quando o povo de Israel era "orientado" por Deus a entrar numa cidade e destruir tudo, de pessoas (homens, mulheres, velhos e crianças) a animais, e quando vemos que Saul quis poupar um rei foi repreendido por Deus? Não consigo encaixar isso em Jesus e ao mesmo tempo fica aquela dúvida sobre o agir de Deus no antigo testamento.

Melhoras a seu paizinho!
Grande abraço,
Silvio

________________________________________

Resposta:

Amigo Silvio: Graça e Paz!
Gente boa de Deus!
Antes de tudo quero dizer que Deus é Deus, e que se Ele desejar acabar com a criação agora, quem poderá lhe perguntar: Por que fazer isso?
É duro; mas é assim que é!
No entanto, sobre a sua questão, eis o que tenho a lhe dizer de passagem, pois, no site, há muita coisa escrita sobre isso — mas leva tempo e demanda disposição lê-lo todo!
Sabe qual é o problema?
É a Bíblia! É a relação dos crentes com a Bíblia, que é mais forte do que o vinculo deles com Jesus.
Sim! Porque até hoje os crentes não crêem em quem Jesus é; nem no que Ele disse; e nem no que todos os apóstolos disseram sobre o que era “velho, caduco, obsoleto, ultrapassado” ante a revelação de Cristo; a qual estabelece o fim da Lei.
Ora, tudo o que você disse ser “o seu problema” de conciliação com Jesus, é justamente aquilo que em Jesus morreu na Cruz, para sempre.
O seu conflito é o de quem não aceita que em Cristo uma boa parte da Bíblia virou “história”; e nada mais que isto; pois, aquilo no que tais coisas tiveram a sua relevância, expirou, pois, nunca salvou ninguém de acordo com Paulo (Romanos e Gálatas; e em Hebreus); além de que eram “sombras de coisas que haviam de vir”; e que vieram em Cristo.
A equação dos crentes é a Bíblia toda + o que de Jesus couber no todo da Bíblia; e nunca é o contrário: Jesus; e, depois, o que da Bíblia continuar vigente conforme o espírito do Evangelho.
Mas não precisa crer em mim. Creia em Jesus, e nos escritos dos apóstolos. Por exemplo: veja em Paulo e Hebreus quantas vezes se faz alusão à Lei como caduca, esclerosada e obsoleta...
Então, agora, me diga: por que você conseguiu ficar angustiado se Jesus e os apóstolos não deram a mínima para a sua questão?
Paulo diz que a Lei era terror. Diz que a Lei veio para que avultasse o pecado. Diz que a Lei trouxe consigo a morte; e a consciência dela. Diz que as coisas passadas eram incompletas; todas elas. E diz que o fim da Lei e de tudo o que com ela foi dado para salvação ou para a sociedade de Israel, expirou; só ficando “daquilo" o que em Jesus permaneceu.
Você viu Jesus tendo que explicar algo assim?
Ou leu de alguma angustia apostólica sobre o assunto?
Ora, esse tema começou com o “Cristianismo” e com sua vontade judaizante de “conciliar” o Velho e o Novo Testamentos; o que, segundo Jesus, éloucura; pois, é como remendo de pano novo em vestes velhas.
De fato, mano, o que você me pergunta é: Há dois deuses? Um que mandava matar e um que proíbe?
Não! Há sim uma humanidade crescendo, saindo da Idade da Pedra e andando na direção das coisas excelentes, as quais nos vieram todas em Cristo.
De modo que o que fica, a menos que Jesus não lhe baste, é simples: Jesus é a chave interpretativa de tudo: o que Ele encarnou é Palavra para sempre; o que Ele não encarnou (antes repreendeu) caiu em estado de caduquice e morte para sempre.
O que lhe falta é crer em Jesus!
O que lhe falta é crer no Evangelho!
O que lhe falta é deixar de tentar criar uma solução para um problema seu, religioso, condicionado pela “igreja hibrida”, de natureza romano-judaica (que é o “Cristianismo”; aqui no site isto está tão explicado que me perdoe a falta se vontade de expandir) — e que nada tem a ver com o Evangelho.
Porque você não pega o Levitico e vive por meio dele, como um todo?
Veja se agüenta!
Ora, se não suporta, por que ser seletivo tanto no que escolhe da Lei para dizer que permanece como também em relação ao que da Lei você acha absurdo?
A Lei é tão santa quanto absurda; ensina Paulo!
Ora, pergunte a Jesus por que Ele não tocou em tal assunto?
Pergunte por que Ele apenas disse que o Novo era o que permaneceria, e que o velho já morrera?
O mais, sinceramente, é apenas o resultado de até hoje não se ter aceitado que Jesus é Tudo; e que Nele tudo o que não foi vivido-encarnado-ensinado por Ele, é porque não é para ser vivido por ninguém; nunca mais...
Um abraço sincero!
Nele, em Quem a Lei da Morte foi desbancada pela Lei da Vida,
Caio
28/08/07
ManausAM

AINDA SOBRE O DEUS QUE MATA...
Outro dia um amigo me mostrou [ao longe] um funcionário da empresa dele, e que é crente, mas que há algum tempo perdeu a mãe, e, revoltado com isso, disse ao meu amigo: “Estou com raiva de Deus! Ele levou a minha mãe!”.
Meu amigo perguntou: “Escuta! Foi Deus mesmo quem levou a sua mãe? Não foi o diabo não?”.
“O quê? O diabo?! Deus me livre! Foi Deus quem a levou!”
“Então se não foi o diabo, mas foi Deus, e você está com tanta raiva, peça a Deus pra transferir sua mãe para o diabo; assim você fica mais calmo!”
“Quem? Eu? Que é isso doutor!”
“Ué? Você não quer sua mãe com Deus! Só pode querer com o diabo! Mas se ela está com Deus, com Deus-Deus-mesmo — então que revolta é esta?”
Ora, esta história revela como a alma crente é na maioria das vezes; ou, pelo menos, como ela ficou depois da overdose de teologia da prosperidade.
De fato, escandalize-se, mas saiba:
Deus cria; Deus mata.
Todas as figueiras florescem pelo Seu hálito, mas também perecem pela Sua Palavra.
“Nunca mais nasça fruto de ti” — disse Jesus a uma delas, e que secou na mesma na hora.
Os dez mandamentos não foram escritos para Deus, mas por Deus para os homens.
Deus mata a quem desejar; e não pratica homicídio; e nem tampouco existe mal em nada do que Deus faça; até quando cria o mau e faz as trevas, conforme Isaías, Ele faz o que é bom para além do que a moral do homem conhece como bom e bem.
É Deus então livre para tudo?
Sim! É claro!
Ele, porém, não mata quando as pessoas morrem; Nele a morte existe apenas para dar lugar à vida.
Essa história romântica do Deus Moral feito à imagem e semelhança do mandamento de Deus ao homem, é o que encurrala o próprio devoto ante ao paradoxo que ao homem é proibido matar, mas a Deus não é vetado o tirar a vida.
O homem mata, Deus tira a vida!
Eu mato porque eu não crio a vida. A vida me é um dom; tanto dado a mim quanto a todos os homens e criaturas.
Deus, porém, é Deus; e é Ele quem faz viver e faz morrer; e sábio é aquele que não o julga por isso.
É claro que este mundo caído está cheio das conseqüências danosas da presença humana na Terra.
No entanto, quando milhares de búfalos têm que atravessar o Rio Senenguethi, na África, e de 10 mil animais cerca de cem morrem comidos pelos crocodilos, o que se dirá: Que Deus é mal? Que crias pequenas ficaram para trás e que foram separados para sempre de suas mães por terem sido comidas por crocodilos? Ou o quê? Que os crocodilos deveriam ser vegetarianos?
Parece que ninguém mais vê as vacas, as galinhas, os búfalos, os javalis, os peixes, e todas as outras criaturas que mortas nos alimentam todos os dias!
Mas a hipocrisia de falsas sensibilidades, diz: “Êka!” — sempre que vê uma vaca ser abatida, embora o “ser-êka” se deleite na picanha.
Deus é amor; e por amor dá vida e por amor tira a vida; e por amor cura e por amor adoece e faz a criatura ir; e por amor dá búfalos de comer aos crocodilos; e dá grama aos búfalos, que defecam o que comem; e que, assim, alimentam os besouros “rola-bosta”; os quais levam o estrume para o subsolo; e, desse modo, alimentam as minhocas e adubam a terra, que crescerá em pequenas plantas, e muito pasto; de tal modo que com as chuvas o elefante para lá se mudará, e com ele muitos outros animais; os quais serão espreitados pelas hienas e leões, até que bandos desses animais predadores comam o suficiente para viver; e, assim, o ciclo possa continuar...
Deus é o Deus das criaturas e é o Deus da criação.
A criatura serve à criação e não a criação à criatura; e assim são todos os dias; exceto quando alguém que come picanha o dia todo fica revoltado com Deus pela vaca morta.
Deus é tão livre quanto é amor!
Assim, quem confia no amor de Deus, e não tenta fazer de Deus um seu igual, jamais faz perguntas desse tipo; pois, conhecer a Deus como Deus é, implica em que não tenho mandamentos para Ele; isto porque se os tivesse de nada me adiantariam; e, não os tenho, pois, sei que o que adianta nisso é apenas aquilo no que confio: que Deus é bom e que a Sua misericórdia dura para sempre.

Nele, que é, mesmo que isso assuste você,

Caio

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Deus nos livre de um Brasil Evangélico!!

Ricardo Gondim

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar “crente”, com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadú? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Estou Cansado!! Texto de Ricardo Gondin

Cansei! Entendo que o mundo evangélico não admite que um pastor confesse o seu cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que prometem restaurar os trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensina que Deus restaura as forças do que não tem nenhum vigor. Também estou informado de que Jesus dá alívio para os cansados. Por isso, já me preparo para as censuras dos que se escandalizarem com a minha confissão e me considerarem um derrotista. Contudo, não consigo dissimular: eu me acho exausto.

Não, não me afadiguei com Deus ou com minha vocação. Continuo entusiasmado pelo que faço; amo o meu Deus, bem como minha família e amigos. Permaneço esperançoso. Minha fadiga nasce de outras fontes.

Canso com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de Deus. Já não agüento mais que se usem versículos tirados do Antigo Testamento e que se aplicavam a Israel para vender ilusões aos que lotam as igrejas em busca de alívio. Essa possibilidade mágica de reverter uma realidade cruel me deixa arrasado porque sei que é uma propaganda enganosa. Cansei com os programas de rádio em que os pastores não anunciam mais os conteúdos do evangelho; gastam o tempo alardeando as virtudes de suas próprias instituições. Causa tédio tomar conhecimento das infinitas campanhas e correntes de oração; todas visando exclusivamente encher os seus templos. Considero os amuletos evangélicos horríveis. Cansei de ter de explicar que há uma diferença brutal entre a fé bíblica e as crendices supersticiosas.

Canso com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem da realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção social perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que existe uma economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não agüento mais cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que pairam sobre o Brasil e o mundo.

Canso com a repetição enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza poética. Sinto pena dos teólogos que se contentam em reproduzir o que outros escreveram há séculos. Presos às molduras de suas escolas teológicas, não conseguem admitir que haja outros ângulos de leitura das Escrituras. Convivem com uma teologia pronta. Não enxergam sua pobreza porque acreditam que basta aprofundarem um conhecimento “científico” da Bíblia e desvendarão os mistérios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas forças.

Canso com os estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los: sem uma visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes espirituais com gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais desolador que um culto pentecostal com uma coreografia preservada, mas sem vitalidade espiritual. Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos próprios pentecostais sobre os dons espirituais.

Cansei de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil para soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que provocam que as pessoas “caiam sob o poder de Deus” para tirar fotografias ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em seus países de origem.

Canso com as perguntas que me fazem sobre a conduta cristã e o legalismo. Recebo todos os dias várias mensagens eletrônicas de gente me perguntando se pode beber vinho, usar “piercing”, fazer tatuagem, se tratar com acupuntura etc., etc. A lista é enorme e parece inexaurível. Canso com essa mentalidade pequena, que não sai das questiúnculas, que não concebe um exercício religioso mais nobre; que não pensa em grandes temas. Canso com gente que precisa de cabrestos, que não sabe ser livre e não consegue caminhar com princípios. Acho intolerável conviver com aqueles que se acomodam com uma existência sob o domínio da lei e não do amor.

Canso com os livros evangélicos traduzidos para o português. Não tanto pelas traduções mal feitas, tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do basebol, que nada têm a ver com a nossa realidade. Canso com os pacotes prontos e com o pragmatismo. Já não agüento mais livros com dez leis ou vinte e um passos para qualquer coisa. Não consigo entender como uma igreja tão vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos lá do norte, onde a abundância é tanta que os profetas denunciam o pecado da complacência entre os crentes. Cansei de ter de opinar se concordo ou não com um novo modelo de crescimento de igreja copiado e que vem sendo adotado no Brasil.

Canso com a falta de beleza artística dos evangélicos. Há pouco compareci a um show de música evangélica só para sair arrasado. A musicalidade era medíocre, a poesia sofrível e, pior, percebia-se o interesse comercial por trás do evento. Quão diferente do dia em que me sentei na Sala São Paulo para ouvir a música que Johann Sebastian Bach (1685-1750) compôs sobre os últimos capítulos do Evangelho de São João. Sob a batuta do maestro, subimos o Gólgota. A sala se encheu de um encanto mágico já nos primeiros acordes; fechei os olhos e me senti em um templo. O maestro era um sacerdote e nós, a platéia, uma assembléia de adoradores. Não consegui conter minhas lágrimas nos movimentos dos violinos, dos oboés e das trompas. Aquela beleza não era deste mundo. Envoltos em mistério, transcendíamos a mecânica da vida e nos transportávamos para onde Deus habita. Minhas lágrimas naquele momento também vinham com pesar pelo distanciamento estético da atual cultura evangélica, contente com tão pouca beleza.

Canso de explicar que nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas não existem para enriquecer sua liderança. Cansei de ter de dar satisfações todas as vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar que nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do que ser obrigado a explanar para parentes ou amigos não evangélicos que aquele último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos pastores que vivem dignamente.

Canso com as vaidades religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram cargos, posições e títulos. Desdenho os conchavos políticos que possibilitam eleições para os altos escalões denominacionais. Cansei com as vaidades acadêmicas e com os mestrados e doutorados que apenas enriquecem os currículos e geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que mais um se auto-intitulou apóstolo.

Sei que estou cansado, entretanto, não permitirei que o meu cansaço me torne um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu coração.

Por isso, opto por não participar de uma máquina religiosa que fabrica ícones. Não brigarei pelos primeiros lugares nas festas solenes patrocinadas por gente importante. Jamais oferecerei meu nome para compor a lista dos preletores de qualquer conferência. Abro mão de querer adornar meu nome com títulos de qualquer espécie. Não desejo ganhar aplausos de auditórios famosos.

Buscarei o convívio dos pequenos grupos, priorizarei fazer minhas refeições com os amigos mais queridos. Meu refúgio será ao lado de pessoas simples, pois quero aprender a valorizar os momentos despretensiosos da vida. Lerei mais poesia para entender a alma humana, mais romances para continuar sonhando e muita boa música para tornar a vida mais bonita. Desejo meditar outras vezes diante do pôr-do-sol para, em silêncio, agradecer a Deus por sua fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do meu quarto e a ler as Escrituras como uma carta de amor de meu Pai.

Pode ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se é o seu caso, convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas religiosas que sugam suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus afirmou que não adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há tempo de salvar a nossa.

Soli Deo Gloria.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Como conciliar Jesus e o Deus que mata? Carta Respondida por Caio Fábio.

Reverendo Caio,

Mandei-lhe esse e-mail abaixo.

Minha dúvida é sincera.

Sempre me pego pensando a respeito e sobre o que responder, caso me perguntem sobre isso.

Seria muito importante para mim sua opinião.

Abraços no amor de Cristo,

Silvio

**** e-mail anterior ****

Amado Rev. Caio Fábio,

Em dos textos do site "O Diabo adora falar em Deus", você fala de forma contundente como em nome de Deus toda barbaridade já foi feita, e tudo mais.

Quando você afirma algo, talvez, polêmico, sempre chama para si a responsabilidade. Realmente, tem assuntos que, a princípio, nos assustam.

Referente a esse texto e assunto, fico sempre com dúvidas que me incomodam: o que dizer quando o povo de Israel era "orientado" por Deus a entrar numa cidade e destruir tudo, de pessoas (homens, mulheres, velhos e crianças) a animais, e quando vemos que Saul quis poupar um rei foi repreendido por Deus? Não consigo encaixar isso em Jesus e ao mesmo tempo fica aquela dúvida sobre o agir de Deus no antigo testamento.

Melhoras a seu paizinho!

Grande abraço,

Silvio

________________________________________

Resposta:

Amigo Silvio: Graça e Paz!


Gente boa de Deus!

Antes de tudo quero dizer que Deus é Deus, e que se Ele desejar acabar com a criação agora, quem poderá lhe perguntar: Por que fazer isso?

É duro; mas é assim que é!

No entanto, sobre a sua questão, eis o que tenho a lhe dizer de passagem, pois, no site, há muita coisa escrita sobre isso — mas leva tempo e demanda disposição lê-lo todo!

Sabe qual é o problema?

É a Bíblia! É a relação dos crentes com a Bíblia, que é mais forte do que o vinculo deles com Jesus.

Sim! Porque até hoje os crentes não crêem em quem Jesus é; nem no que Ele disse; e nem no que todos os apóstolos disseram sobre o que era “velho, caduco, obsoleto, ultrapassado” ante a revelação de Cristo; a qual estabelece o fim da Lei.

Ora, tudo o que você disse ser “o seu problema” de conciliação com Jesus, é justamente aquilo que em Jesus morreu na Cruz, para sempre.

O seu conflito é o de quem não aceita que em Cristo uma boa parte da Bíblia virou “história”; e nada mais que isto; pois, aquilo no que tais coisas tiveram a sua relevância, expirou, pois, nunca salvou ninguém de acordo com Paulo (Romanos e Gálatas; e em Hebreus); além de que eram “sombras de coisas que haviam de vir”; e que vieram em Cristo.

A equação dos crentes é a Bíblia toda + o que de Jesus couber no todo da Bíblia; e nunca é o contrário: Jesus; e, depois, o que da Bíblia continuar vigente conforme o espírito do Evangelho.

Mas não precisa crer em mim. Creia em Jesus, e nos escritos dos apóstolos. Por exemplo: veja em Paulo e Hebreus quantas vezes se faz alusão à Lei como caduca, esclerosada e obsoleta...

Então, agora, me diga: por que você conseguiu ficar angustiado se Jesus e os apóstolos não deram a mínima para a sua questão?

Paulo diz que a Lei era terror. Diz que a Lei veio para que avultasse o pecado. Diz que a Lei trouxe consigo a morte; e a consciência dela. Diz que as coisas passadas eram incompletas; todas elas. E diz que o fim da Lei e de tudo o que com ela foi dado para salvação ou para a sociedade de Israel, expirou; só ficando “daquilo" o que em Jesus permaneceu.

Você viu Jesus tendo que explicar algo assim?

Ou leu de alguma angustia apostólica sobre o assunto?

Ora, esse tema começou com o “Cristianismo” e com sua vontade judaizante de “conciliar” o Velho e o Novo Testamentos; o que, segundo Jesus, é loucura; pois, é como remendo de pano novo em vestes velhas.

De fato, mano, o que você me pergunta é: Há dois deuses? Um que mandava matar e um que proíbe?

Não! Há sim uma humanidade crescendo, saindo da Idade da Pedra e andando na direção das coisas excelentes, as quais nos vieram todas em Cristo.

De modo que o que fica, a menos que Jesus não lhe baste, é simples: Jesus é a chave interpretativa de tudo: o que Ele encarnou é Palavra para sempre; o que Ele não encarnou (antes repreendeu) caiu em estado de caduquice e morte para sempre.

O que lhe falta é crer em Jesus!

O que lhe falta é crer no Evangelho!

O que lhe falta é deixar de tentar criar uma solução para um problema seu, religioso, condicionado pela “igreja hibrida”, de natureza romano-judaica (que é o “Cristianismo”; aqui no site isto está tão explicado que me perdoe a falta se vontade de expandir) — e que nada tem a ver com o Evangelho.

Porque você não pega o Levitico e vive por meio dele, como um todo?

Veja se agüenta!

Ora, se não suporta, por que ser seletivo tanto no que escolhe da Lei para dizer que permanece como também em relação ao que da Lei você acha absurdo?

A Lei é tão santa quanto absurda; ensina Paulo!

Ora, pergunte a Jesus por que Ele não tocou em tal assunto?

Pergunte por que Ele apenas disse que o Novo era o que permaneceria, e que o velho já morrera?

O mais, sinceramente, é apenas o resultado de até hoje não se ter aceitado que Jesus é Tudo; e que Nele tudo o que não foi vivido-encarnado-ensinado por Ele, é porque não é para ser vivido por ninguém; nunca mais...


Um abraço sincero!


Nele, em Quem a Lei da Morte foi desbancada pela Lei da Vida,


Caio
28/08/07
Manaus
AM
AINDA SOBRE O DEUS QUE MATA...



Outro dia um amigo me mostrou [ao longe] um funcionário da empresa dele, e que é crente, mas que há algum tempo perdeu a mãe, e, revoltado com isso, disse ao meu amigo: “Estou com raiva de Deus! Ele levou a minha mãe!”.

Meu amigo perguntou: “Escuta! Foi Deus mesmo quem levou a sua mãe? Não foi o diabo não?”.

“O quê? O diabo?! Deus me livre! Foi Deus quem a levou!”

“Então se não foi o diabo, mas foi Deus, e você está com tanta raiva, peça a Deus pra transferir sua mãe para o diabo; assim você fica mais calmo!”

“Quem? Eu? Que é isso doutor!”

“Ué? Você não quer sua mãe com Deus! Só pode querer com o diabo! Mas se ela está com Deus, com Deus-Deus-mesmo — então que revolta é esta?”

Ora, esta história revela como a alma crente é na maioria das vezes; ou, pelo menos, como ela ficou depois da overdose de teologia da prosperidade.


De fato, escandalize-se, mas saiba:


Deus cria; Deus mata.

Todas as figueiras florescem pelo Seu hálito, mas também perecem pela Sua Palavra.

“Nunca mais nasça fruto de ti” — disse Jesus a uma delas, e que secou na mesma na hora.

Os dez mandamentos não foram escritos para Deus, mas por Deus para os homens.

Deus mata a quem desejar; e não pratica homicídio; e nem tampouco existe mal em nada do que Deus faça; até quando cria o mau e faz as trevas, conforme Isaías, Ele faz o que é bom para além do que a moral do homem conhece como bom e bem.

É Deus então livre para tudo?

Sim! É claro!

Ele, porém, não mata quando as pessoas morrem; Nele a morte existe apenas para dar lugar à vida.

Essa história romântica do Deus Moral feito à imagem e semelhança do mandamento de Deus ao homem, é o que encurrala o próprio devoto ante ao paradoxo que ao homem é proibido matar, mas a Deus não é vetado o tirar a vida.

O homem mata, Deus tira a vida!

Eu mato porque eu não crio a vida. A vida me é um dom; tanto dado a mim quanto a todos os homens e criaturas.

Deus, porém, é Deus; e é Ele quem faz viver e faz morrer; e sábio é aquele que não o julga por isso.

É claro que este mundo caído está cheio das conseqüências danosas da presença humana na Terra.

No entanto, quando milhares de búfalos têm que atravessar o Rio Senenguethi, na África, e de 10 mil animais cerca de cem morrem comidos pelos crocodilos, o que se dirá: Que Deus é mal? Que crias pequenas ficaram para trás e que foram separados para sempre de suas mães por terem sido comidas por crocodilos? Ou o quê? Que os crocodilos deveriam ser vegetarianos?

Parece que ninguém mais vê as vacas, as galinhas, os búfalos, os javalis, os peixes, e todas as outras criaturas que mortas nos alimentam todos os dias!

Mas a hipocrisia de falsas sensibilidades, diz: “Êka!” — sempre que vê uma vaca ser abatida, embora o “ser-êka” se deleite na picanha.

Deus é amor; e por amor dá vida e por amor tira a vida; e por amor cura e por amor adoece e faz a criatura ir; e por amor dá búfalos de comer aos crocodilos; e dá grama aos búfalos, que defecam o que comem; e que, assim, alimentam os besouros “rola-bosta”; os quais levam o estrume para o subsolo; e, desse modo, alimentam as minhocas e adubam a terra, que crescerá em pequenas plantas, e muito pasto; de tal modo que com as chuvas o elefante para lá se mudará, e com ele muitos outros animais; os quais serão espreitados pelas hienas e leões, até que bandos desses animais predadores comam o suficiente para viver; e, assim, o ciclo possa continuar...

Deus é o Deus das criaturas e é o Deus da criação.

A criatura serve à criação e não a criação à criatura; e assim são todos os dias; exceto quando alguém que come picanha o dia todo fica revoltado com Deus pela vaca morta.

Deus é tão livre quanto é amor!

Assim, quem confia no amor de Deus, e não tenta fazer de Deus um seu igual, jamais faz perguntas desse tipo; pois, conhecer a Deus como Deus é, implica em que não tenho mandamentos para Ele; isto porque se os tivesse de nada me adiantariam; e, não os tenho, pois, sei que o que adianta nisso é apenas aquilo no que confio: que Deus é bom e que a Sua misericórdia dura para sempre.


Nele, que é, mesmo que isso assuste você,



Caio