A política gera paixões
avassaladoras. Tanto a determinado partido ou candidato preferido. Como a
ideologia que a pessoa diz abraçar.
Por conta da atitude apaixonada
descrita acima, os cidadãos tendem a condenar entusiasticamente os que eles
elegem como inimigos políticos ou ideológicos e serem extremamente
misericordiosos e complacentes com sua sigla partidária preferencial ou seus
políticos queridos.
Vejo todos os dias nas redes
sociais, em conversas com grupos de amigos e em publicações em Revistas e Jornais
tais atitudes. Proteção a alguns e perseguição a outros. Misericórdia a uns e
punição exacerbadas a outros. Amor a uns e ódio gratuito a outros.
Dito isso, venho questionar determinados
comportamentos, sobretudo, os que se referem à corrupção, improbidade
administrativa e assalto ao erário público.
Em primeiro lugar, questiono a seletividade no
ataque à corrupção. O antipetismo exacerbado pela grande mídia e pelas redes
sociais, só para citar um exemplo, deveria nos fazer perguntar se o ódio
destilado por parte substancial da população é contra a corrupção ou ao PT. Por
que a corrupção do partido dos trabalhadores gera tanta indignação e a do MDB, DEM,
PSDB, PSL e outros não incomodam? Por que a prisão do Lula gerou tanto prazer
em milhões de pessoas, mas a prisão de Eduardo Cunha e de outros políticos não?
Por que a possível soltura do Lula leva milhões a ficarem indignados, mas a
permanência de Michel Temer, Aécio Neves e Romero Juca soltos não incomodam a
maioria absoluta da população brasileira? Por que aqueles que vociferam contra
a corrupção petista não reclamaram da Privataria Tucana (que vendeu
corruptamente mais de 70 estatais a preço de banana), do laranjal do PSL e da
eterna corrupção do MDB, o maior câncer da história política do Brasil? Mais
ainda, por que os cidadãos de bem, os que gritavam que "bandido bom é
bandido morto" não se incomodaram com o envolvimento do Flávio Bolsonaro
com as milícias, com esquemas de “rachadinhas” e por ele pedir várias vezes à
justiça para não o investigar[2]?
Ser contra a corrupção é ser
contra a todo e qualquer ato ilícito, independente de quem o tenha praticado,
independente da ideologia que o criminoso defenda ou de qual partido ele esteja
filiado. Por isso, Victor Hugo dizia: "A primeira igualdade é a
justiça". E o Artigo 5° no seu caput diz: "Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza..."
Tão vergonhosa e nefasta quanto um
sistema de justiça seletivo é a seletividade de cada um de nós em relação aos
praticantes de atos ilícitos. A justiça de uma nação ou de cada ser humano deve
ser abrangente a todos. Sem preferência. Sem exceções. Sem partidarismo. Sem
perseguições a uns em detrimento de outros.
A justiça de muitos nada mais é que trapo de
imundícia. Querer punição severa de alguns e não investigação, apuração e
julgamento de outros, é algo extremamente vil.
Quantos milhões de brasileiros acharam normal o
julgamento relâmpago de Lula em duas instâncias para que ele não concorresse ao
pleito presidencial de 2018, enquanto hipocritamente nunca se incomodaram que
dezenas de políticos tenham seus crimes prescritos, pois houve demora demais em
seus julgamentos, a ponto de se perder o prazo de punibilidade. Como ocorreu
mais de uma vez com os delitos de Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros
e dezenas de outros corruptos. Se você acha normal que uns sejam julgados com
extrema celeridade, enquanto a prescrição de crimes cometidos por políticos sempre
foi a regra, você não é contra a corrupção, muito menos possui senso de
justiça.
Devemos querer eu e você a mesma celeridade
ocorrida no caso Lula para todos os casos de envolvimento de políticos em atos
escusos.
Justiça aparente não é e nunca foi justiça.
Justiça para ser justiça tem que ser abrangente. Com julgamento justo, com
direito à ampla defesa e a um juiz imparcial.
Eu espero de mim mesmo que jamais caia no ardil
político-ideológico: desejar ardentemente a condenação de uns, mesmo estes
sendo possivelmente inocentes, enquanto desejo que culpados com quem simpatizo
andem livremente.
Só para os que anseiam que a justiça prevaleça
sobre todos, cabe a máxima de Jesus no Sermão da Montanha:
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois eles serão
fartos".
[1] Texto escrito em 14/08/2019, com intuito de chamar atenção
para aqueles que falam somente de justiça contra seus adversários políticos,
enquanto acobertam e não falam dos crimes de seus bandidos de estimação. Ou eu
clamo por justiça para todos ou a minha suposta justiça é trapo de imundícia.
[2] Flávio Bolsonaro pediu em 16 de abril de 2020 pela décima
vez para a Justiça não o
investigar e para que seus sigilos bancários e fiscais não sejam quebrados.