Hoje fui surpreendido por um colega, professor de Educação Física, que
me "encomendou" um texto sobre Racismo no futebol, e logo depois,
assisti a um vídeo numa rede social exaltando o Vasco da Gama como o clube
pioneiro na inclusão de negros no esporte.
Essas duas situações levaram-me a pesquisar sobre o tema. Então, início
essa reflexão com a afirmação de Peter Burke: "A função do historiador é
lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer". Pois bem, a sociedade
tentar esquecer ou apagar muitas coisas, dentre elas a lembrança da escravidão,
do racismo velado e da discriminação racial e social recorrente na sociedade
brasileira.
Justiça seja feita, não foi o Vasco da Gama o pioneiro na inserção de
negros no futebol brasileiro, como muitos pensam e afirmam apaixonadamente, apesar
de que o clube teve fundamental importância nesse processo de inclusão do negro
no esporte.
Entretanto foi o Bangu o primeiro clube carioca e brasileiro a colocar
um atleta negro em campo, Francisco Carregal, em 1905. Num esporte que chegou
ao Brasil, vindo da Inglaterra, como de elite, o Bangu fez história colocando homens
de cor e operários pobres para jogarem. Os atletas eram formados, em grande
parte, pelos operários da Fábrica de Tecidos Bangu, no subúrbio do Rio de
Janeiro.
Essa audácia custou caro ao clube, em 1907, a Liga Metropolitana de
Football publicou um documento proibindo o
registro de "pessoas de cor". O clube, então, optou por abandonar a
Liga e não disputar o Campeonato Carioca.
Infelizmente,
há muitos anos, o Bangu deixou de ter a glória dos tempos de outrora, e por ter
uma torcida minúscula, poucos são aqueles que exaltam a importância histórica
do clube, principalmente para o povo negro.
Outro
clube considerado pioneiro por muitos pesquisadores é o paulista, Associação
Atlética Ponte Preta de Campinas. A Macaca, como é chamado, quer provar que foi
o primeiro clube do Brasil a escalar um negro. Miguel do Carmo, um rapaz de 16
anos, é citado em ata de agosto de 1900 como um dos jovens fundadores e atletas
do clube. Todavia a Fifa, órgão máximo do futebol internacional, se recusou a
sancionar tal feito por não existir nenhuma comprovação em arquivos públicos.
Tais como jornais e periódicos da época
informando sobre esse feito. Entretanto há historiadores interessados em
comprovar esse fato e têm feito um incansável trabalho de pesquisa, sem êxito
até o momento.
Segundo o
jornalista esportivo Mário Filho, os outros clubes cariocas na época,
especialmente Botafogo e Fluminense se mantinham elitizado e somente com atletas
ingleses.
Tanto o
América quanto o Fluminense são acusados de escalarem jogadores negros e mulatos[1]
com seus corpos maquiados com pó de arroz. No decorrer da partida o suor ia
tirando a maquiagem e a torcida gritava "pó de arroz, esse episódio,
segundo alguns pesquisadores, fez com que esse se tornasse o apelido da torcida
do tricolor carioca.
O Vasco
da Gama quando adotou o futebol como uma das suas modalidades esportivas, não
tinha o dinheiro e prestígio dos clubes mais antigos e tradicionais no esporte, foi exatamente por isso, que ele montou um time
com negros e operários pobres. Foi campeão do campeonato de 1922 da segunda
divisão, subiu para a primeira e ganhou o campeonato de 1923.
Foi a partir desse segundo ano vitorioso, que surgiu uma polêmica
racial. Os clubes ressentidos com os campeonatos conquistados pelo Vasco fundam
uma nova liga, a AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos) e a condição
que eles dão para que o clube cruzmaltino participe é a exclusão de 12 de seus
jogadores, todos os homens de cor. Porque segundo a AMEA "eles não
apresentavam condições especiais para o convívio esportivo". A diretoria
do Vasco, que já havia feito história em ser o primeiro clube a ter um
presidente negro no Brasil, em 1904, não aceitou as condições impostas e preferiu
jogar campeonatos com clubes menores mantendo negros e pobres em seu elenco.
Essa decisão fez o clube ganhar a simpatia de muitos torcedores.
Contudo por pressão popular, o Vasco da Gama voltou à liga entre os
grandes cariocas e ainda construiu com ajuda popular, o maior estádio do Brasil
na época, São Januário, que foi construído em 1927, e essa era outra exigência
da Liga racista e preconceituosa, que o clube possuísse um estádio para jogar
com os clubes ricos e elitistas.
Portanto, o Bangu, a Ponte Preta e o Vasco da Gama são os grandes
responsáveis pela inserção do negro, do mulato e de operários pobres no futebol
brasileiro.
Mesmo Pelé, o rei do futebol, o maior artilheiro de todos os tempos e
eleito atleta do século XX sendo negro e o orgulho da nossa nação, não fez com
que atos de injúria racial deixassem de ocorrer nos estádios brasileiros, tanto
em jogos nacionais, como em jogos da Taça Libertadores da América.
Esse câncer que é o racismo estrutural, a discriminação racial e atos de
injúria não foram erradicados em pleno século XXI.
Por isso, não basta não sermos racista, devemos denunciar o racismo e
todas as formas de discriminação.
O esporte, sobretudo o futebol, deve ser usado como integração da
população, nunca como instrumento de discriminação e inferioridade de certos
grupos.
Parabéns aos clubes citados que em tempos de ignorância e de racismo
declarado lutaram bravamente contra a opressão do negro e dos menos
favorecidos.
[1] Existe uma interpretação etimológica da palavra
“mulato” que deriva do substantivo mula, e hoje é considerada um termo racista.
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