Certa feita, numa escola pública que lecionava, a diretora me chamou
preocupada, pois um pai havia reclamado de uma das minhas aulas, cujo tema era
“Discriminação e formas variadas de intolerância”, pois segundo ele, o filho
havia ficado perplexo, pois eu afirmei em aula que as religiões monoteístas são
mais intolerantes que as politeístas e outros grupos religiosos.
A diretora sabiamente contornou a situação, e me disse que aquele pai
era um líder de uma igreja evangélica do bairro, uma pessoa extremamente
dogmática e religiosa. Pedi para que ela o chamasse para conversar comigo, pois
iria explicar-lhe o porquê das religiões monoteístas serem tão intolerantes, e
isso por motivos óbvios, e que se ele conhecesse bem as religiões monoteístas,
saberia que a intolerância é a sua marca. Além do mais eu não citei
nominalmente religião nenhuma, só o termo genérico monoteísmo. Mas infelizmente,
aquele homem não me procurou!
Por que será que afirmo tão veementemente que as religiões monoteístas
são mais intolerantes que todos os outros grupos? Por que também afirmo que a
intolerância é a sua marca? Será que não estou equivocado?
Em primeiro lugar, todas as religiões são intolerantes. Sejam elas
politeístas, monoteístas, animistas ou reencarnacionistas e etc., e isso pelo
simples fato de todas elas afirmarem possuírem a verdade. E suas verdades serem
absolutas, peremptórias e indubitáveis. Isso porque segundo as religiões, suas
verdades (dogmas) são reveladas por Deus. Sendo assim, quem pode questioná-los?
Ninguém, assim pensam os religiosos. É por isso que os dogmas são
indiscutíveis, por exemplo, a crença na Trindade, no Celibato dos Clérigos e na
ressurreição de Cristo (no catolicismo), na reencarnação (no Budismo, Hinduísmo
e Espiritismo), na infalibilidade Bíblica ou Corânica como única regra de fé e
prática e tantos outros milhares de dogmas.
Em segundo lugar, já falando do monoteísmo, ao afirmar a crença num
único Deus, eu esteja também afirmando a inexistência de todos os outros deuses
ou a sua falsificação, pois se existe um único Deus esse Ele tem que ser
necessariamente de quem faz essa afirmação. Eis aí, porque é tão óbvio perceber
sem nenhum esforço mental, o porquê da Intolerância dos monoteístas.
Vejamos o que diz Deuteronômio 6:4, que é a primeira confissão do
monoteísmo no mundo, o texto mais importante para o judaísmo:
“Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Deus.”
Se analisarmos esse verso do Velho Testamento que introduz o monoteísmo
no mundo, fica claro a intolerância explícita nele, pois o texto afirma que só
existe um Deus e essa deidade é o venerado em Israel, portanto todos os outros
deuses sem exceção são falsos, não existem, são meras fabricações humanas.
Se olharmos o politeísmo, também chamado pejorativamente de paganismo,
após a instauração do catolicismo como religião oficial em Roma, veremos que
eles são um pouco mais tolerantes em relação a outros credos e religiões. Por
exemplo, na cidade politeísta de Éfeso, uma polis grega, famosíssima na
Antiguidade, havia um lugar destinado à adoração de milhares de deuses, tanto
os de Éfeso e das outras polis gregas, como de todos os lugares conhecidos. Mas
entre aqueles inúmeros altares havia um bem interessante, nele estava escrito:
“Ao Deus Desconhecido”. O que esse altar e nome estranho queriam informar? Ele
queria informar que se houvesse algum deus nos céus, que não foi representado e
não tinha naqueles inúmeros altares um local para adoração, aquele escrito “Ao
Deus Desconhecido” era seu.
A lógica do politeísmo não é excludente e exclusivista, por mais que não
abram mão de seus deuses e dogmas. Sempre estão abertos a inclusão de outros
deuses, “todos são bem-vindos”, os politeístas querem estar bem com todo mundo,
melhor, com todos os deuses. Uma cena na novela da Record, que trata do cativeiro
dos judeus em Babilônia, vista por mim, sem querer, na terça-feira passada,
deixa claro o pensamento politeísta. Após o profeta Daniel revelar o sonho do
rei caldeu Nabucodonosor, o imperador disse: “Vamos adorar agora, também, o
deus dos judeus, mas Marduque sempre será o nosso principal Deus”.
Já a lógica monoteísta não é inclusiva, como a politeísta, mas
excludente, exclusivista e intolerante. Isso porque ela afirma um único Deus
como verdadeiro e reputa a todas as outras divindades como falsas. É por isso,
que é muito comum chamar os entes divinos de outras crenças de Diabo e Demônio.
Além de nunca reconhecerem e darem crédito a quaisquer manifestações religiosas
além das suas.
Se você é monoteísta, como são a maioria absoluta dos brasileiros, pois
somos uma civilização judaico-cristã, pelo menos admita, que a intolerância é a
sua marca. Por mais politicamente incorreto que seja está afirmação! A
definição do monoteísmo já introduz o exclusivismo.
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