Há um célebre
documentário da Discovery Chanel, cujo título é “Quem matou Jesus?”, a resposta
a essa pergunta tem sido dada a quase dois milênios de maneira categórica: foi
o povo judeu! Baseado no capítulo 19, do Evangelho de João, quando se lê que o
governador romano Pôncio Pilatos “lava as mãos” e que a multidão (povo judeu)
incitada pelo Sumo sacerdote e pelos escribas, saduceus e fariseus pedem para
soltarem o criminoso Barrabás e mandam crucificar Jesus.
Por
causa dessa passagem em especial, a Igreja Católica Romana condenou os judeus
por Deicídio (assassinato de deus – Jesus, que é a segunda pessoa da Trindade cristã,
portanto, Deus para os cristãos) desde o Concílio de Nicéia no século IV, até o
Papa João Paulo II pedi perdão aos judeus em 1985. Só foram rever a acusação
dezesseis séculos depois. Por conta disso, os judeus foram proibidos de
cultivarem a terra (trabalho honroso) e foram obrigados a trabalharem no
comércio (trabalho considerado vil, por causa da usura).
Parece que o
texto acima encerrou a conversar e respondeu a contento. Assim pensão a maioria
absoluta das pessoas religiosas, sobretudo essa é a versão oficial de diversas
igrejas cristãs. Seria então o caso de colocar um ponto final no assunto? Creio
que não! Historicamente e teologicamente essa conhecidíssima passagem não
encerrar a questão a contento, ainda cabe perguntar: “Quem de fato matou
Jesus?” ou colocando a questão de maneira mais correta: “Quem teria os motivos
para mata-lo?” ou “A quem interessava sua morte?” ou ainda, “Quem teria
autoridade para sentenciá-lo?” e “Seria possível uma responsabilização do
próprio Jesus em sua morte?”.
Pelo visto essa
pergunta inicial “Quem matou Jesus?” não é tão simples de ser respondida. E
acredito que já ficou claro que a resposta a essa pergunta e as outras
decorrentes dela, transcendem o texto do Evangelho de João, que é extremamente
utilizado como resposta a essa questão.
Uma simples
leitura dos evangelhos canônicos, os quatro que compõe o Novo Testamento
cristão, percebe-se facilmente o conflito e confronto de Jesus com a elite
religiosa judaica. O Sumo sacerdote Caifás, parte substancial de escribas,
fariseus e saduceus. Jesus denunciava a hipocrisia, o comércio no templo, a
arrogância e soberba dessa classe. Em diversas passagens esse grupo de
“especiais” são denunciados e confrontados de maneira até vexatória, como o
célebre capítulo 23, do evangelho de Mateus, palavras como “raças de víboras”,
“sepulcro caiados” e “hipócritas” são proferidas pelo mestre de Nazaré para
descrever os líderes religiosos dos judeus. Portanto, está nítido, sobretudo
com a entrada e expulsão dos cambistas do Templo de Jerusalém em Mateus 21:11-12,
que Caifás e parte dos líderes judeus são aqueles que possuem os motivos para
mata-lo, e são eles que subornam e compram Judas por trinta moedas de prata e
prendem Jesus no Jardim do Getsêmani.
Agora, muito
cuidado, ter motivos não significa que se possua autoridade para fazê-lo. E
para os líderes judeus cabia o ditado que “querer não é poder”, pelo simples
fato que Israel era uma província romana, estava sobre a autoridade do império
romano, o mais poderoso império bélico de todos os tempos. Era César e seus
governadores e procuradores quem poderiam proferir sentenças de morte; e é por
isso, que após ser preso Jesus é levado pelo Sumo sacerdote Caifás a presença
de Pôncio Pilatos, o governador romano, aquele que possuía a autoridade
imperial de dar penas capitais[1].
Só para dar
outro esclarecimento, sobre a questão do querer (ter motivos, desejar a morte
de outrem) e ter autoridade (autorização estatal e legal de matar) é só o
leitor saber que a pena de morte por crucificação era romana, não judaica,
portanto era uma pena capital dada por uma autoridade imperial, não pelos
líderes religiosos de uma província dominada, como Israel.
Com isso, já
percebemos que quem tinha os motivos para executar Jesus: Caifás e os líderes
religiosos do judaísmo, e quem tinha autoridade para sentencia-lo a morte, o
governador romano Pôncio Pilatos.
Parece que
enceramos as nossas questões, não é mesmo? Não encerramos, há mais um “culpado”
pela morte de Jesus. E quem é? O próprio Jesus!! Essa afirmação parece absurda,
afirmar que a vítima é culpada de sua própria execução. Mas de fato era. Essa
afirmação é facilmente perceptível nos evangelhos canônicos.
Porque Jesus
encarrava sua morte como uma missão. Por isso quando aquele que tinha o poder
imperial de executá-lo inquiri o mestre de Nazaré, em João 19:10-11, dizendo:
10 Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar?
11 Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias
sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior
pecado tem.
Em diversas
passagens Jesus expressa a mesma ideia: a de que sua morte era uma missão
predestinada. De que ele veio a esse mundo para salvar e buscar o perdido, através
do seu sacrifício vicário. Paulo também em inúmeras passagens corrobora a mesma
fala dos evangelistas em relação à morte de Cristo, que através da sua morte
houve reconciliação de Deus com os pecadores (II Cor 5). Portanto, Jesus também
era o culpado, porque entendia sua morte como plano divino e não fez
absolutamente nada para escapar da mesma. Mesmo no seu maior momento de
fraqueza, no Getsêmani, (local onde foi traído e preso) quando ele chora sangue
e sua sangue, ele diz em oração: “Meu pai se possível, passa de mim esse cálice
(morte); todavia, não seja feita a minha vontade, mas a sua.” (Mateus 26: 39;
Lucas 22: 42).
Ao entrar no
Templo e derrubar as mesas e bater nos vendedores com chicote – vendedores
estes autorizados por Caifás – ele sabia que haveria retaliação por parte dos
líderes religiosos, que a partir desse momento intensificaram a luta por sua
morte, poucos dias após esse episódio, Jesus é crucificado. Portanto, ele sabia
o tempo todo dos riscos de morte que corria.
Diante do
exposto, fica claro quem são os verdadeiros culpados pela crucificação de
Jesus, há dois milênios. Caifás tem os motivos, Pilatos a autoridade, foi de
fato quem proferiu a sentença de morte, mesmo contra sua vontade, e por causa
de um artifício perverso usado por Caifás e outros líderes religiosos judeus,
quando disseram ao Procurador: “Se soltas a este, não és amigo de César! Todo
aquele que se faz rei é contra César!” (João 19:12). Esse argumento malicioso fez
Pilatos temer por sua própria vida, pois Jesus era visto como um
revolucionário, um rebelde. Se ele o soltasse e se chegasse aos ouvidos de
César (o imperador) o próprio Pilatos, poderia ser crucificado. Por isso, ele
entrega Jesus à crucificação (João 19:16). E o outro culpado, por mais que
pareça improvável, num primeiro momento, é o próprio Jesus.
Diante do
exposto, a acusação mais aceita de que o povo judeu foi o culpado não cabe,
pelo simples fato de que outrora como hoje, o povo não tem capacidade de
decisão, sobretudo em um julgamento legal, com regras preestabelecidas, além do
mais, a pena de morte por crucificação era romana, não judaica, portanto
deveria ser dada por uma autoridade do Império Romano, nunca pelas autoridades
de Israel, muito menos pela população de judeus oprimidos por Roma.
É imprescindível
contextualizarmos as passagens bíblicas para termos uma interpretação correta,
a simples reprodução de uma pseudoverdade, não faz da mentira uma verdade. Tão
somente uma ilusão na cabeça dos incautos!
[1]
Pena de morte ou pena capital é um processo legal pelo
qual uma pessoa é morta pelo Estado como punição por um crime cometido. A
decisão judicial que condena alguém à morte é denominada sentença de morte,
enquanto que o processo que leva à morte é denominado execução. Crimes que
podem resultar na pena de morte são chamados crimes capitais. A palavra capital
tem origem no termo latino capitalis, que significa "referente à
cabeça" (em alusão à execução por decapitação).
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